DISCIPLINA

cachoeira

          A vida do homem é uma só e sempre a mesma, aqui na Terra, após a morte e para todo o sempre. Entretanto, o modo e a intensidade com que o homem pode possuir esta sua vida única e eterna dependem de inumeráveis graus. A criança, desde o momento da concepção, possui a sua vida, a mesma que sempre possuirá, mas a consciência com que a possui é mínima, quase nula. Depois de nascida, possui esta mesma vida com um pouco mais de consciência. Passados dez anos, é notavelmente maior a “abundância” com que possui a sua vida.

Com o pleno desenvolvimento dos sentidos, atinge o homem o clímax de sua vida vegetativo-sensitiva. Mais tarde, muitos desenvolvem notável grau de inteligência, com todas as suas ramificações através dos diversos departamentos da vida no plano horizontal.

Certo número de homens tenta invadir o mundo espiritual, divino, universal, mas a maior parte só consegue por meio da crença, sem nenhuma experiência própria. Raramente aparece um homem que pode dizer verdadeiramente: “Eu sei o que digo e dou testemunho daquilo que vi”. Esse homem possui a vida com notável abundância, podendo aumenta-la ainda mais, por meio de uma sucessiva intensificação de sua experiência.

Mas para que essa intensificação da experiência do mundo de Deus aconteça, é necessária uma disciplina orientada.

A palavra “disciplina” desperta sentimentos desagradáveis na mente de muitos homens, pois acreditam ser sinônimo de “sacrifício”,  “sofrimento”, “renúncia”.

Vamos avaliar isso num sentido figurado: – As águas de um rio que tem mil metros de largura, tem geralmente pouca força pois a largura do rio é grande e de pouca profundidade. A força está na verticalidade e a fraqueza na horizontalidade. Se estreitarmos de alguma forma essas margens, digamos por cem metros de largura, a força das águas será muito maior, pois a sua profundidade também aumentou. E se conseguíssemos reduzir ainda mais essa largura, para dez metros, por exemplo, a força das suas águas seria irresistível, podendo ser agora transformadas  numa cachoeira capaz de mover poderosas máquinas.

Como foi que essa mesma água, tão fraca a princípio, adquiriu tamanha força?

Unicamente pela “disciplina”, pela compressão do seu volume em pequeno espaço. Submetemos o rio a uma espécie de sacrifício, de renúncia, de concentração – e sua inércia estática de ontem se converteu na atividade dinâmica de hoje. Adquiriu “vida mais abundante”.

No principio, toda disciplina parece matar ou diminuir a vida; parece ser um empobrecimento, e não um enriquecimento da vida humana. E muitos principiantes desanimam nesse estágio inicial e voltam atrás, preferindo o suave comodismo das planícies em vez da difícil dinâmica das profundidades e alturas. Os que têm a coragem de enfrentar as dificuldades iniciais e aceitar voluntariamente, as renúncias necessárias, verificarão que a vida com estreita disciplina é incomparavelmente mais rica e fascinante do que a vida levada ao sabor dos caprichos do momento. Provavelmente, são poucas as horas de folga do homem de vida disciplinada, mas essas poucas horas superam em qualidade e intensidade todas as quantidades, distâncias e tempo das muitas horas ociosas do homem indisciplinado. O mais delicado sabor da vida humana nasce da disciplina voluntariamente aceita e rigorosamente observada, a despeito de todos os caprichos e fantasias em contrário. Dessa disciplina fazem parte também uma rigorosa pontualidade e absoluta fidelidade aos compromissos assumidos.

O homem disciplinado é austero consigo mesmo e benévolo com os outros.

O homem disciplinado não se perdoa facilmente a si mesmo, a violação do seu programa estabelecido.

E nessa espontânea e autoimposta austeridade é que ele encontra o inebriante elixir de uma perene serenidade e profunda suavidade.

A vida sem disciplina acaba por se tornar aos poucos tão insípida e insuportável que o homem escravizado por seus caprichos arbitrários procura intensificar progressivamente os seus gozos,  afim de os poder sentir ainda, porque a sua sensibilidade vai se embotando progressivamente e, por fim, nada mais o satisfaz. O homem indisciplinado necessita de veementes estímulos, chicotadas nos nervos calejados para os colocar em vibração, ao passo que o homem disciplinado se enche de pura alegria e delicado gozo com os acontecimentos mais singelos da vida cotidiana… Uma florzinha a beira da estrada, o encontro inesperado com um amigo, o sorriso de uma criança, as melodias de um hino sacro, o cantar dos pássaros, uma noite de luar, a sinfonia noturna dos grilos e dos sapos – tudo lhe é motivo de satisfação, porque os seus nervos se acham afinados por uma frequência vibratória sutil, que só a disciplina pode oferecer.

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  1. ESTE TEXTO FOI ESCOLHIDO E ENVIADO DA AUSTRÁLIA POR FLÁVIO DE MELLO. É ÓTIMO PARA UMA REFLEXÃO.

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